Ruído Restaurante

05/03/2018

O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que a persistência ruidosa de uma exploração comercial e industrial que afete direitos de personalidade de um vizinho confere a este o direito de exigir a redução do horário de funcionamento do estabelecimento.

O caso

O morador de um imóvel vizinho de um restaurante recorreu a tribunal pedindo para que a sociedade proprietária deste fosse condenada a encerrar o estabelecimento à hora imposta pela câmara municipal, das 23h00 às 07h00, a pagar 500 euros a título de sanção pecuniária compulsória se tal não ocorresse e a pagar-lhe uma indemnização por todos os prejuízos que lhe causara, em resultado de noites consecutivas sem dormir. Para o efeito alegou que, desde o início do funcionamento do restaurante, este nunca cumprira os horários fixados para o efeito, produzindo sempre muito ruído, que lhe perturbava o descanso e o sono, e que se sentia exausto, intimidado, humilhado e frustrado, devido ao comportamento da empresa que, apesar das queixas e das denúncias, nada fizera para resolver o problema. O tribunal julgou a ação procedente, decisão da qual a sociedade proprietária do restaurante recorreu para o TRP.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP julgou improcedente o recurso ao decidir que a persistência ruidosa de uma exploração comercial e industrial que afete direitos de personalidade de um vizinho confere a este o direito de exigir a redução do horário de funcionamento da sua laboração.
Os tribunais têm decidido, de forma reiterada, que a produção ou emissão de ruídos, geradora de poluição sonora, lesiva de direitos individuais e coletivos, obviamente carecidos de proteção e tutela, pode ser encarada por três ópticas distintas, embora, em muitos casos, conexionadas e interligadas, que são a do direito ao ambiente, a da tutela do direito de propriedade e a dos direitos fundamentais de personalidade, englobando o direito ao sossego, ao repouso, ao sono, à saúde e à qualidade de vida.
Não sendo tolerável que o interesse no exercício ou exploração lucrativa de quaisquer atividades lúdicas ou económicas se faça com o esmagamento dos direitos básicos de todos os cidadãos que tiverem o azar de residir nas proximidades, aniquilando, em termos claramente desproporcionados, o direito destes a gozarem de um mínimo de tranquilidade, sossego e qualidade de vida no seu próprio domicílio.
Daí que, em regra, se imponha a conclusão de que, em caso de conflito, efetivo e relevante, entre o direito de personalidade e o direito ao lazer ou à exploração económica de qualquer estabelecimento comercial ou industrial, importa preservar os direitos básicos de personalidade, por serem de hierarquia superior à dos segundos. Mas isto só em regra, sem prejuízo de uma concreta e casuística ponderação judicial, a realizar em função do princípio da proporcionalidade acerca da intensidade e relevância da invocada lesão da personalidade. É que mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível, apenas devendo ser limitado na exata proporção em que tal seja exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses.
Assim, quando num prédio de habitação seja montado um estabelecimento em que habitualmente haja produção de ruídos ou de cheiros suscetíveis de incomodar gravemente os habitantes do prédio, o direito ao sossego, ao ambiente e à qualidade de vida destes deve considerar-se superior ao direito de exploração de atividade comercial ou industrial ruidosa ou incómoda.
Por outro lado, impõe-se distinguir claramente os planos de uma possível ilegalidade administrativa no exercício das atividades que geram a poluição ambiental, decorrente do desrespeito das normas regulamentares ou atinentes ao licenciamento e à polícia administrativa, e da ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade. Tal diferenciação tem conduzido à conclusão de que os tribunais constituem a última linha de defesa daquele direito fundamental de personalidade, sempre que o mesmo não tenha sido devidamente acautelado pela atividade regulamentar ou de polícia da Administração, em nada obstando à tutela prioritária do direito fundamental lesado a mera circunstância de ter ocorrido licenciamento administrativo da atividade lesiva ou de os níveis de ruído pericialmente verificados não ultrapassarem os padrões técnicos regulamentarmente definidos.
Tendo sido verificada e reconhecida a ilicitude, consubstanciada na lesão inadmissível do direito fundamental de personalidade do autor, pelos serviços competentes da câmara municipal, ao reduzir o horário de funcionamento do estabelecimento comercial, sem que tal fosse totalmente acatado pela empresa, que manteve em funcionamento o seu estabelecimento, em manifesta e inadmissível violação não só das normas regulamentares, mas também, e sobretudo, do direito fundamental de personalidade do autor, a supremacia do direito ao sossego, ao ambiente e à qualidade de vida deste sobre o direito de exploração da atividade comercial ruidosa da empresa confere àquele o direito de redução do horário de funcionamento, bem como a ser indemnizado pelos danos que sofreu

Referências:
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 24541/16.9T8PRT.P1, de 14 de dezembro de 2017
Constituição da República Portuguesa, artigos 25.º e 26.º
Código Civil, artigos 70.º e 355.º
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