10/03/2023 - Cães em prédios urbanos
Detenção de cães em prédios urbanos. Direito ao sossego e à tranquilidade dos vizinhos.
O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que existe fundamento para ordenar a retirada de animais da casa onde vivem, no âmbito da tutela do direito ao sossego e à tranquilidade dos vizinhos, quando se prove que o cheiro da urina e das fezes dos animais é sentido no prédio vizinho e que aí são ouvidos os ruídos e latidos dos cães e que, em consequência, o proprietário do prédio vizinho passa várias noites acordado ou entre sonos intermitentes e pouco reparadores e sente-se triste, desanimado, deprimido e com falta de descanso.
O caso
Um homem de 79 anos, viúvo e proprietário de um imóvel onde residia sozinho recorreu a tribunal pedindo para que o vizinho de cima fosse obrigado a retirar os dois cães que tinha no imóvel alegando que prejudicavam a sua qualidade de vida, devido aos ruídos e odores que produziam, impedindo-o de dormir durante a noite e sendo insuportável o cheiro a urina.
A ação foi julgada procedente com a condenação do vizinho a retirar os animais num prazo de cinco dias e a pagar 150 euros a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento dessa condenação. Inconformado, o vizinho recorreu para o TRC.
Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra
O TRC julgou parcialmente procedente o recurso, concedendo ao vizinho um prazo de três meses para proceder à retirada dos animais do imóvel em que residia.
Decidiu o TRC que existe fundamento para ordenar a retirada de animais da casa onde vivem, no âmbito da tutela do direito ao sossego e à tranquilidade dos vizinhos, quando se prove que o cheiro da urina e das fezes dos animais é sentido no prédio vizinho e que aí são ouvidos os ruídos e latidos dos cães e que, em consequência, o proprietário do prédio vizinho passa várias noites acordado ou entre sonos intermitentes e pouco reparadores e sente-se triste, desanimado, deprimido e com falta de descanso.
O alojamento de cães em prédios urbanos não pode ameaçar o direito ao sossego, à tranquilidade, à saúde e ao sono dos vizinhos. Como a proteção destes direitos é constitucional e intangível, se estiver em causa a ofensa dos mesmos não interessa saber se se respeita o nível de ruído permitido, ou se o número de animais de companhia é o permitido por lei, porque nunca poderá afetar os direitos ao repouso e à saúde de terceiros.
Assim, o direito de propriedade sobre os animais e o direito de uso e fruição do imóvel onde se reside não podem ameaçar o direito ao sossego e à tranquilidade dos vizinhos, a quem são concedidos meios para requerer que se apliquem as medidas que se mostrem adequadas às circunstâncias do caso para evitar a consumação ou, nos casos em que a ofensa já se mostre concretizada, atenuar os efeitos da mesma.
No caso, o cheiro da urina e fezes dos animais e os ruídos e latidos destes atentam contra estes direitos concedidos ao vizinho, ameaçando-os ou violando-os. Por isso, a medida necessária a evitar ou atenuar os efeitos dessa ameaça consiste em retirar os animais da casa onde vivem,
No entanto, provando-se que a concretização dessa medida pode prejudicar a saúde da esposa do requerido, pessoa doente que carece da companhia dos cães para melhorar a autoconfiança e a estabilidade emocional, é de conceder um prazo razoável, no caso de três meses, improrrogável, a contar do trânsito em julgado da decisão, para a concretização da retirada dos animais.
Referências
www.lexpoint.pt
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 856/22.6T8GRD.C1, de 13 de dezembro de 2022
Código Civil, artigo 70.º
Constituição da República Portuguesa, artigos 18.º, 25.º n.º 1, 65.º e 66.º