Ruído Canil
Ruído Canil
O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que devem prevalecer os direitos dos proprietários de uma casa ao repouso, sossego e sono, sobre o poder do vizinho a ter, na sua propriedade e a poucos metros, um canil com cães que ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa.
O caso
Os donos de uma casa vizinha de outra onde existia um canil com vários cães, instalado junto ao muro que delimitava ambas as casas, recorreram a tribunal pedindo para que o vizinho fosse condenado a remover o canil e os cães e a pagar-lhes uma indemnização. Para o efeito alegaram que residiam no imóvel, onde também tinham um negócio de alojamento local, e que os cães ladravam diariamente, dia e noite, de forma persistente ruidosa, privando-os do seu descanso e prejudicando o seu negócio, motivando a reclamação de diversos hóspedes. O vizinho contestou alegando que tinha apenas dois cães e que todos os vizinhos tinham cães que ladravam, sobretudo quando os gatos dos autores entravam nos prédios vizinhos. O tribunal decidiu condenar o vizinho a remover os cães de modo a que não se aproximassem a uma distância de pelo menos 100 metros do prédio dos autores, a pagar-lhes uma indemnização de 8.000 euros por danos não patrimoniais e de 250 euros por danos patrimoniais e uma sanção pecuniária compulsória, também de 250 euros, por cada dia de atraso na remoção dos animais. Discordando desta decisão, o vizinho recorreu para o TRL.
Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa
O TRL julgou o recurso parcialmente procedente, reduzindo o valor da indemnização para 4.000 euros e mantendo no mais a sentença recorrida.
Decidiu o TRL que devem prevalecer os direitos dos proprietários de uma casa ao repouso, sossego e sono, sobre o poder do vizinho a ter, na sua propriedade e a poucos metros, um canil com cães que ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa.
Constitui orientação jurisprudencial constante e correta que o ruído que impeça o sono constitui violação do direito repouso, mesmo quando não exceda os limites regulamentares e resulte de atividades devidamente licenciadas. Devendo esse direito de personalidade ao repouso prevalecer sobre o direito de propriedade dos vizinhos detentores de animais, sempre que estes provoquem ruídos que de facto afetem o repouso, sossego e sono dos restantes vizinhos, com a consequente restrição desse direito, em obediência ao princípio da proporcionalidade, por forma a que deixe de se verificar a violação do direito ao repouso.
No caso, a única forma dos direitos de personalidade e de propriedade dos autores não continuarem a ser lesados com o barulho produzido pelos animais ao latirem passava por obrigar o vizinho proprietário dos animais a afastar os cães a pelo menos 100 metros da delimitação da propriedade, por forma a, assim, neutralizar os ruídos produzidos por esses animais.
Embora a convivência comunitária implique sempre algumas contrariedades e incomodidades que os elementos do grupo social se sujeitam a suportar, para poderem continuar a viver no meio urbano que escolheram, e que devem ser toleradas socialmente, não se justifica essa tolerância para com, pelo menos, dois cães, que, desde a data em que foram instalados no canil, a menos de 20 metros do prédio dos autores, localizado num local normalmente calmo e sossegado, ladram diariamente, durante o dia e a noite, de forma persistente e ruidosa, privando-os do seu descanso, sossego e tranquilidade.
Trata-se de uma situação em que o limiar dessa tolerância necessária à convivência social é completamente ultrapassado, pois não obstante a vivência nos meios rurais impor que nas relações de vizinhança seja de tolerar os ruídos provocados pelos animais domésticos legitimamente criados nos quintais das residências, essa tolerância e limitação deverá apenas ocorrer na medida adequada e proporcionada à satisfação dos interesses tutelados pelo direito dominante, para que todos possam continuar a viver em sociedade e no ambiente que escolheram.
Nesse sentido, mostra-se adequada a decisão que ordenou que os animais fossem afastados pelo menos 100 metros do prédio dos autores, sem exigir a sua remoção da propriedade, bem como a atribuição de uma indemnização aos vizinhos, no valor de 2.000 euros para cada um, pelos danos provocados pelos ruídos causados pelos animais ao longo de cerca de 2 anos, tendo em conta outros casos idênticos julgados pelos tribunais.
Referências
www.lexpoint.pt
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 223/19.9T8VFC.L1-2, de 11 de março de 2021
Código Civil, artigos 70.º, 335.º e 483.º e seguintes
Constituição da República Portuguesa, artigos 16.º, 17.º, 18.º n.º 2 e 25.º